segunda-feira, 28 de junho de 2010

Claro como uma lâmpada, simples como um anel

por Madô Martins  


O verso-título é de Pablo Neruda e poderia definir com exatidão a intenção do brincante Antonio Nóbrega, ao criar o espetáculo Naturalmente – teoria e jogo de uma dança brasileira. O que ele chama de imaginário corporal popular brasileiro abre a apresentação em forma de vídeo, num mosaico de passos extraídos de manifestações artísticas de todas as regiões do país (caiapó, batuque, carimbó, camaleão, ciranda, desfeiteira, coco, frevo, maculelê, tambor de crioula, catira, capoeira, fandango, jongo, pau-de-fitas, maracatu e outras) que, em algum momento da vida, presenciamos ao vivo, pela tevê ou no cinema.

Dialogando com o público, o músico e dançarino nascido em Recife nos leva a uma viagem pelos ritmos e danças populares, provando sua relação conflitante e complementar com as composições e balés intitulados clássicos. E aí, o título deste artigo já não se encaixa, porque as citações do artista são bastante elaboradas.   

Provocando a memória cultural e lúdica do espectador, ao mesmo tempo em que não subestima sua bagagem intelectual, passeia pela dança de Bali, a indiana, a japonesa (incluindo o Teatro No), a americana e a nossa, compara ritmos, mostra a origem de determinados gêneros musicais, desloca outros do erudito para o popular.

Assim é que as duas talentosas bailarinas que o acompanham, parceiras nas coreografias, dançam o Largo do Concerto para cravo, de Bach, como se interpretassem algum daqueles gêneros brasileiros citados acima. E ainda, ao longo da apresentação, o trio traz para o palco o sapateado, o can-can, o Moonwalk de Michael Jackson, coreografias da Broadway e da ópera Madame Butterfly, passos da Índia, todos sutilmente sugeridos, como a resgatar o velho ditado “para bom entendedor meia palavra basta...”.

Iluminação e figurinos também merecem calorosos elogios. E os oito músicos são igualmente surpreendentes, tocando de tudo um pouco: Bach, parte da trilha de Amarcord, baião, shot, frevo, MPB, com igual competência e prazer.


Porque prazer é o que não falta à troupe, contagiando toda a platéia, que se requebra nas poltronas e marca os compassos com os pés. Ao final, aquele menino de 58 anos, que falou, brincou, dançou e tocou violino e bandolim sem parar, deixa a impressão de viver sua arte como uma missão: a de nos tornar a alma mais culta e mais feliz. E Antonio Nóbrega a cumpre à risca.             

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