quinta-feira, 3 de junho de 2010

Um filme sobre o amor

por Madô Martins      

Pode um filme ser atual sem mostrar mulheres sensuais, cenas de sexo explícito, crimes sanguinolentos, tiroteios, ritmo alucinante? Hanami – Cerejeiras em flor consegue a proeza. É suave e comovente como a garoa e, do mesmo modo, nos atinge em cheio e deixa seus sinais. Trata basicamente de saudade e solidão. Saudade do que perdemos, do que fomos um dia, do amor que pouco demonstramos. Solidão resultante da ausência, do corte abrupto nos hábitos, da falta de referências, da indiferença alheia.
 
No mesmo pacote, Hanami aborda também nossa modernidade, da qual fazem parte o contraste entre campo e cidade, a luta pela sobrevivência nas metrópoles, a falta de calor humano nos vários níveis de relacionamento, a reivindicação da homossexualidade por seu espaço na sociedade, o eterno conflito entre gerações, o papel dos idosos e da família, a parafernália eletrônica. Mas, entre tantos aspectos polêmicos, o filme não prega a desesperança, como a maioria dos que vemos hoje. As personagens, embora profundamente infelizes, ainda sonham com reaver os bens perdidos: a atenção dos pais, a volta dos que partiram, a aceitação pelos demais, o reconhecimento de seus talentos, o perdão.

E para falar de tudo isso, a sensível direção de Doris Dorrie traz para a tela o butô, dança japonesa que tem como meta expressar pelo gesto o que não se consegue revelar com palavras. Como pano de fundo, a natureza, que segue seu ciclo alheia às mazelas humanas, e a proposta de entrega aos sentimentos, como caminho para a felicidade. O tempo também passa incólume, fazendo acontecer suas rotinas, como a travessia do pato que passa diariamente pela mesma estrada, o banho de sol do gato, sempre no mesmo lugar, os apressados passageiros da estação de trem, as constantes chegadas e partidas, o efêmero florescer das cerejeiras.

São 126 minutos de debate sobre o ser humano, suas condições na Terra, o que o faz viver ou morrer, o amor e suas nuances. Levados com extrema competência por atores não-galãs que incorporam personagens realistas, gente com qualidades e defeitos, segredos e aflições, como qualquer um de nós. Deixa-se o cinema com a sensação de ter ficado muito tempo diante do espelho, descobrindo particularidades do ser que habitamos e tão pouco conhecemos. Comovidos, e com vontade de experimentar o butô e seus gestos libertadores.     

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