sexta-feira, 30 de julho de 2010

Loucos do Cinema: David Lynch,

por Ricardo Prado

David Keith Lynch nasceu em 20 de janeiro de 1946 na cidade de Missoula, estado de Montana, Estados Unidos, filho de um pesquisador do Departamento de Agricultura e uma professora de inglês.

Em 1966, época em que passou a estudar na Academia de Artes da Pensilvânia, começou a rodar seu primeiro curta, "Six Men Getting Sick" ("Seis Homens Vomitando", em tradução livre), que venceu o concurso anual da Academia. Mais tarde, o nome de Lynch foi selecionado para uma bolsa, que seria usada para rodar "The Alphabet" ("O Alfabeto"), sobre uma mulher (interpretada por Peggy Lynch, então esposa dele) que, antes de morrer, vê o alfabeto na forma de uma série de imagens perturbadoras. Em 1970, fez "The Grandmother" ("A Avó"), em que um menino solitário "planta" uma avó para não se sentir mais sozinho. O trabalho até então de Lynch foi muito elogiado pelos críticos que tiveram acesso a ele, citando o total controle que o jovem tinha do audiovisual, mesmo em início de carreira.

Em 1971, Lynch mudou-se para Los Angeles e começou a estudar Cinema no AFI Conservatory. Foi lá que começou a trabalhar no seu primeiro longa-metragem, "Eraserhead", através de uma bolsa de US$ 10 mil recebida pela instituição. Só que faltou dinheiro e a produção se arrastou até 1977, quando finalmente o filme foi concluído graças ao apoio da família e amigos de Lynch.

  • "Eraserhead" (1977)


Com: Jack Nance, Charlotte Stewart, Allen Joseph, Jeanne Bates

Macabro, perturbador e hipnotizante. Henry Spencer é um reservado operário de uma fábrica que se vê obrigado a casar com Mary, uma antiga namorada que se diz grávida dele. O bebê nasce uma aberração, que faz com que Mary abandone Henry para ele cuidar da "criatura" sozinho.

Com dificuldades de conseguir distribuição, "Eraserhead" tornou-se figurinha fácil em várias sessões da meia-noite durante a próxima década e rapidamente tornou-se cult. Só com este filme, já se considerava Lynch um cineasta de vanguarda no cinema da época.

Foi graças à atenção conseguida por meio de "Eraserhead" que Lynch foi chamado por Mel Brooks para dirigir um filme produzido por ele: "O Homem Elefante". Apesar de não ser um projeto seu, Lynch colocou muito de suas impressões pessoais no filme, deixando-o mais sinistro e surreal do que já era.

  • "O Homem Elefante" (1980)


Com: Anthony Hopkins, John Hurt, Anne Bancroft, John Gielgud
A história de Joseph Merrick, homem com uma deformação tão assustadora que se tornou famoso durante a era Vitoriana, na Inglaterra. 

Esta situação tendia fazer com que ele passasse toda a sua existência se exibindo em circos de variedades como um monstro, até que um médico, Frederick Treves, o descobriu e o levou para um hospital.

"O Homem Elefante" foi um sucesso de público e crítica e teve indicações ao Oscar, incluindo Melhor Direção e Roteiro Adaptado. O filme também serviu para deixar Lynch mais atraente aos investidores, já que havia se distanciado da imagem cult criada com "Eraserhead".

Até George Lucas chegou a oferecer a Lynch o cargo de diretor de "Guerra nas Estrelas - O Retorno de Jedi"! O ápice desta mudança de imagem se deu quando aceitou dirigir a ficção científica "Duna", baseada em uma série de livros de muito sucesso. O produtor fez um acordo com Lynch: ele dirigiria "Duna" e, depois, poderia conduzir outro projeto, pessoal, com o apoio do produtor. A expectativa era a de que "Duna" se tornasse o próximo "Guerra nas Estrelas", mas foi um fracasso de público e de crítica, além de gerar prejuízo ao estúdio.

  • "Duna" (1984)


Com: Francesca Annis, Leonardo Cimino, Brad Dourif, José Ferrer, Linda Hunt

Em 10.190 D.C., um duque e sua família são mandados pelo Imperador para Arrakis, um árido planeta conhecido como Duna, que tem uma matéria essencial às viagens interplanetárias: a Especiaria. O motivo desta mudança é que o Imperador planeja destruir o duque e sua família, mas seu filho escapa e procura se vingar usando a ecologia deste mundo como uma de suas armas.

Como acordo é acordo, Lynch estava livre para conduzir um projeto pessoal depois de "Duna". Foi aí que começou "Veludo Azul", que contou com os talentos de Kyle MacLachlan, Isabella Rossellini e Dennis Hopper para transformá-lo num suspense psicológico memorável. Teve menos público que "O Homem Elefante", mas "Veludo Azul" chegou ao grande público e gerou curiosidade, já que tinha diversas cenas controversas.

  • "Veludo Azul" (1986)


Com: Isabella Rossellini, Kyle MacLachlan, Dennis Hopper, Laura Dern, Hope Lange
Um rapaz simplório envolve-se em uma perigosa investigação sobre os negócios de um traficante de drogas, que mantém uma relação masoquista com uma bela cantora de cabaré.

Por "Veludo Azul", o diretor recebeu sua segunda indicação ao Oscar de Melhor Direção. Mais do que isso, o filme trazia uma série de elementos que iriam se tornar características do cinema de Lynch.

No final dos anos 80, o diretor conheceu o produtor Mark Frost, com quem criou o projeto de uma série para televisão chamada "Twin Peaks". No papel principal da série, o protagonista de "Veludo Azul": Kyle MacLachlan. Lynch dirigiu os primeiros seis episódios da série, que acabou se tornando um verdadeiro fenômeno. A produção cresceu, e aos poucos Lynch foi se afastado da direção, dando lugar a outros diretores. Ele até passou a fazer pequenas participações como ator, no papel do chefe do personagem de MacLachlan, o agente surdo Gordon Cole.

  • "Twin Peaks" (TV, 1990-1991)


Com: Kyle MacLachlan, Michael Ontkean, Ray Wise, Sheryl Lee, Russ Tamblyn, Mädchen Amick, Dana Ashbrook, Richard Beymer, Lara Flynn Boyle, Sherilyn Fenn, Warren Frost, Peggy Lipton, James Marshall, Everett McGill, Jack Nance, Joan Chen, Kimmy Robertson, Michael Horse, Piper Laurie, Harry Goaz, Eric DaRe, Don S. Davis

A jovem Laura Palmer é encontrada morta na cidadezinha americana de Twin Peaks, próxima à fronteira com o Canadá. Dale Cooper, um agente do FBI se junta a Harry Truman, o xerife local, na investigação do crime e acaba mergulhando numa complexa teia de relações amorosas e intrigas secretas entre os habitantes do lugarejo.

Lynch batia de frente em diversas ocasiões com a rede de tevê americana ABC, que produzia "Twin Peaks". A rede queria que o assassino de Laura Palmer fosse revelado logo, pois temiam perder a audiência. Isso aconteceu no meio da segunda temporada, e a equipe se complicou para manter "Twin Peaks" interessante após essa revelação. A audiência foi caindo e a série foi cancelada no final desta mesma temporada, deixando diversas histórias em aberto, incluindo a do próprio agente Cooper.

Depois de uma passagem pelo teatro musical, onde fez "Industrial Symphony No. 1: The Dream of the Broken hearted" com Laura Dern, Nicolas Cage e Michael J. Anderson, Lynch voltou a se focar em cinema. O amigo Monty Montgomery ofereceu a Lynch o projeto de adaptar o livro "Wild at Heart: The Story of Sailor and Lula", de Barry Gifford, que resultou em "Coração Selvagem", uma mistura de filme policial com road movie. A crítica praticamente ignorou o filme à época de seu lançamento, mas "Coração Selvagem" surpreendeu ao levar a Palma de Ouro em Cannes em 1990.

  • "Coração Selvagem" (1990)


Com: Nicolas Cage, Laura Dern, Diane Ladd, Willem Dafoe, Harry Dean Stanton, Isabella Rossellini, Crispin Glover

Lula Pace Fortune e seu amante, Sailor Ripley, fogem pelas estradas que unem a Carolina do Norte ao Texas. Ela tem 20 anos e se descreve como mais quente que o asfalto da Georgia. Ele é um jovem violento que estava preso por matar um homem e acaba de ganhar liberdade condicional. Ambos têm um passado conturbado, o que torna mais intensa a relação entre os dois.

Desta vez sem o produtor Mark Frost, Lynch decidiu resgatar a história de "Twin Peaks", que terminou de forma melancólica, em todos os sentidos. "Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer" é, na verdade, uma crônica do que aconteceu antes do assassinato da jovem, incluindo algumas cenas do passado do agente Cooper e Gordon Cole. O filme foi um total fracasso de bilheteria.

  • "Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer" (1992)


Com: Sheryl Lee, Ray Wise, Mädchen Amick, Dana Ashbrook, Phoebe Augustine, David Bowie, Pamela Gidley, Kyle MacLachlan, David Lynch, Kiefer Sutherland, Chris Isaak

Um agente do FBI desaparece enquanto investigava um assassinato. Pouco longe dali, na cidadezinha de Twin Peaks, a jovem Laura Palmer vive um cotidiano conturbado que logo terá fim com seu assassinato.

Lynch flertou com o cinema noir em "A Estrada Perdida", que realizou em 1997. O filme não fez muito sucesso com o público. O que fez mais sucesso, aliás, foi a trilha sonora, que incluía David Bowie, Marilyn Manson, Rammstein, Nine Inch Nails e The Smashing Pumpkins.

  • "A Estrada Perdida" (1997)


Com: Bill Pullman, Patricia Arquette, Balthazar Getty, Robert Blake, Robert Loggia, Lisa Boyle, Marilyn Mason

O saxofonista Fred desconfia da fidelidade de sua mulher, Renée, mas tem sua atenção desviada quando começa a receber misteriosas fitas de vídeo. A partir delas, nota que o interior de sua casa está sendo observado. Quando sua esposa é assassinada, ele é acusado e preso. De repente, não está mais atrás das grades, mas transformou-se no jovem mecânico Pete, que começa a ter um caso com Alice, uma mulher muito parecida com a de Fred.

O que veio em seguida surpreendeu muitos que acompanhavam o trabalho de Lynch. Em parceria com a Walt Disney Pictures, realizou "História Real", um conto humano sobre um homem em busca de reconciliação com o irmão. Mesmo completamente diferente de tudo que Lynch já fez até o momento, o diretor garantiu que teve total controle sobre a produção.

  • "História Real" (1999)


Com: Richard Farnsworth, Sissy Spacek, Harry Dean Stanton, Jane Galloway Heitz, Everett McGill
Um relato humano de um aposentado de 73 anos que resolve atravessar estados para fazer as pazes com o irmão. O detalhe: a viagem foi feita em um cortador de grama, já que ele não tinha carro nem dinheiro.

Ainda em 1999, Lynch voltou à ABC com uma nova ideia para série de tevê. Começou a filmar um episódio piloto de duras horas de duração, mas divergências acabaram parando a produção indefinidamente. O diretor, então, optou por transformar aquele piloto em um longa-metragem. Nascia aí "Cidade dos Sonhos", que foi completado graças à produção francesa da StudioCanal. Com uma narrativa não linear e surrealista, o filme se remetia aos clássicos mais antigos de Lynch. Foi um sucesso de público e crítica, além de render a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes.

  • "Cidade dos Sonhos" (2001)


Com: Justin Theroux, Naomi Watts, Laura Harring, Ann Miller, Dan Hedaya, Mark Pellegrino, Robert Forster

Uma bela mulher trafega com sua limusine pela famosa via Mulholland Drive. Ela está bem no centro da mira de um atirador, mas, antes que ele puxe o gatilho, a moça sofre um acidente e perde a memória. Machucada, ela rasteja até um edifício residencial administrado por Coco. Lá mora também Betty, uma jovem recém-chegada na cidade que quer ser atriz. Nesse novo ambiente, a bela desmemoriada passa a ser chamada de Rita, numa referência à Rita Hayworth. Betty resolve ajudar a nova amiga a redescobrir sua identidade.

Depois de alguns anos em que se dedicou a projetos menores na Internet, Lynch rodou "Império dos Sonhos", totalmente em vídeo digital. O filme invocava com ainda mais força as marcas consagradas do diretor, além de ter mais de três horas de duração.

  • "Império dos Sonhos" (2006)


Com: Laura Dern, Jeremy Irons, Justin Theroux, Naomi Watts, Bellina Logan, Scott Coffey, Peter J. Lucas, Ian Abercrombie, Justin Theroux, Neil Dickson, Diane Ladd, William H. Macy
A atriz Nikki Grace prepara-se para interpretar um novo personagem e acaba se apaixonando por seu colega de filmagem. Ela percebe que sua vida está se tornando semelhante à ficção na qual está atuando. Nikki, atormentada e apaixonada, vive uma situação de mistério e vai enlouquecendo lentamente.

Em 2008, Lynch deu início a um projeto relativamente ambicioso, que consistia em entrevistar diversos anônimos pelos Estados Unidos, fazendo um verdadeiro mapa do que pensa o americano sobre o significado da vida. O "Interview Project" pode ser acessado pelo site oficial do diretor, e já conta com mais de cem depoimentos.

Atualmente, Lynch tem dois trabalhos em cinema encaminhados. E ambos diferem bastante de tudo que ele já fez. O primeiro é a animação "Snootworld"; já o segundo é um documentário sobre Maharishi Mahesh Yogi, um guru de meditação transcendental.


  • Curiosidades


Do casamento com Peggy Lynch nasceu Jennifer Chambers Lynch. Ela também é diretora de cinema, e seu trabalho mais conhecido é o terror "Encaixotando Helena".

Lynch pratica e é um dos mais ilustres promotores da meditação transcendental, e ele chegou a vir ao Brasil em 2008 para lançar um livro sobre o assunto.

O site oficial do diretor (www.davidlynch.com) tem uma área para membros onde alguns curtas dele podem ser baixados, como "Dumbland" e "Rabbits".

Lynch cita como grandes ídolos do cinema Federico Fellini, Ingmar Bergman, Orson Welles, Akira Kurosawa, Stanley Kubrick, Jacques Tati, e Alejandro Jodorowsky. Também cita muita admiração pelo escritor Franz Kafka.

O diretor é um grande fã de "O Mágico de Oz", e diversos filmes dele têm referências à história. Em "Coração Selvagem" elas são mais claras.
Lynch cita como influência o trabalho dos cineastas Werner Herzog, Alfred Hitchcock, Billy Wilder e Luis Buñuel.

Kubrick se dizia um grande admirador do trabalho de Lynch. Inclusive, citou "Eraserhead" como uma de suas inspirações para elaborar sua visão de "O Iluminado".

Na juventude, Lynch trabalhou como segurança durante a cerimônia de posse de John F. Kennedy, em 1961.

Os curtas feitos na juventude pelo diretor fazem parte de uma coletânea em DVD chamada "The Short Films of David Lynch". Infelizmente, não foi lançada no Brasil.

Até hoje Lynch não se preocupou em explicar os seus filmes. Para ele, o importante é cada espectador entender da sua maneira.

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