quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Loucos do Cinema - Luis Buñuel

por Ricardo Prado

Luis Buñuel Portolés nasceu em 22 de fevereiro de 1900, na pequena cidade de Calanda, na Espanha. Com apenas quatro meses, mudou-se com a família para Zaragoza, onde recebeu uma educação devidamente jesuítica no Colegio del Salvador. Acabou sendo expulso, e terminou os estudos na escola pública da cidade.

Em 1917, conheceu o pintor surrealista Salvador Dalí e o poeta Federico García Lorca na Universidade de Madri. Junto com outros artistas espanhóis, dividiam os quartos de uma república. Buñuel estudou Agronomia, depois Engenharia Industrial e, enfim, Filosofia.

Com a conclusão dos estudos, Buñuel mudou-se para Paris, em 1925, onde passou a trabalhar em um escritório. Enfim, conseguiu alguns trabalhos de assistente de direção: com Jean Epstein na produção de "Mauprat" (1926), Mario Nalpas em "A Sereia dos Trópicos" (1927) e novamente com Epstein em "O Lugar do Sangue" (1928).

Em 1929, Buñuel realizou seu primeiro curta-metragem, com duração de 16 minutos: "Um Cão Andaluz". Feito em parceria com o colega Dalí, é um trabalho fortemente influenciado pelo Surrealismo, com imagens às vezes horripilantes e com raízes freudianas.


"Um Cão Andaluz" (1929)

Com: Simone Mareull, Pierre Batcheff

À luz da psicanálise, Buñuel e Dalí exploram o inconsciente humano, numa sequencia de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem corta, com uma navalha, o olho de uma mulher.

Em seguida, dirigiu "A Idade do Ouro", um média-metragem de 60 minutos com inspiração no livro "120 Dias de Sodoma", do Marquês de Sade. Era para ter sido mais uma colaboração entre Buñuel e Dalí, mas uma briga separou os dois antes que as filmagens começassem. Ainda mais que "Um Cão Andaluz", "A Idade do Ouro" atacava os bons costumes e o Catolicismo e foi muito criticado pela imprensa conservadora da França. "A Idade do Ouro" foi proibido no país, só sendo liberado 50 anos depois.

"A Idade do Ouro" (1930)



Com: Gaston Modot, Lya Lys, Caridad de Laberdesque, Max Ernst

Na tentativa de passar para a tela a ideia de desconforto, o diretor reúne diversas imagens cruas de morte, espancamento, fetichismo e, ao final, um conto do Marquês de Sade.

"A Idade do Ouro" representou o encerramento das atividades de Buñuel na França. Voltou para a Espanha e dirigiu "Terra sem Pão" (1933), um documentário de 27 minutos sobre a vida dos moradores de Las Hurdes, região rural no entorno da cidade de La Alberca, marcada por muita pobreza.

"Terra sem Pão" (1933)

Com: Sem elenco

A miséria de uma região ao norte da Espanha. Documentário de denúncia que reflete as preocupações sociais do diretor.

A permanência na Espanha foi abreviada pela explosão da Guerra Civil Espanhola, iniciada em 1936. Com o regime político da Espanha caminhando em direção ao fascismo pela ditadura de Francisco Franco, cada vez mais ficava evidente que não havia lugar ali para alguém com as posições políticas do diretor. Vários artistas e intelectuais foram exilados, incluindo Buñuel. O colega García Lorca, que ficou na Espanha, foi assassinado no meio da revolta militar protagonizada por Franco.

O diretor fixou-se em Hollywood, nos Estados Unidos, fugido do tumulto político que havia se instaurado em sua terra natal. A época era propícia para receber Buñuel, já que Hollywood tinha o costume de regravar certos filmes em outros idiomas, e ele ficou responsável por algumas destas produções. Logo essa fase passou e Hollywood começou a dublar os filmes, somente.

Em 1942, depois de uma rápida passagem por Nova York, onde trabalhou no Museu de Arte Moderna (MOMA), voltou a Hollywood e passou a trabalhar no departamento de dublagem da Warner Brothers.

Na tentativa de retomar a direção de filmes, foi para o México em 1946. Com a produção do amigo Oscar Dacingers, fez "Gran Casino" (1946), cujo resultado final não agradou o diretor. Nos anos seguintes, auxiliou Dacingers na produção de "El Gran Calavera" (1949), que fez bastante sucesso na época. Foi durante esse tempo que Buñuel aprendeu as técnicas de direção e edição, que viriam a ser vitais no resto de sua carreira.

Foi graças à parceria com Dancigers que Buñuel conseguiu realizar um projeto ambicioso. Em 1950, lançou "Os Esquecidos", um relato duro de crianças miseráveis do México muito próximo do que pregava o Neorrealismo Italiano. Pelo filme, ganhou o prêmio de Melhor Diretor do Festival de Cannes em 1951 e teve seu nome colocado no mapa.

"Os Esquecidos" (1950)

Com: Alfonso Mejía, Estela Inda, Miguel Inclán, Roberto Cobo, Alma Delia Fuentes

Durante os anos 50 na Cidade do México, o adolescente El Jaibo foge do reformatório e volta a viver na rua uma vida de miséria. Ao lado de outros garotos, passa a cometer pequenos assaltos até que um dia se envolve em um assassinato.

Buñuel fixou-se no México, onde realizou mais 20 filmes após "Os Esquecidos", aproveitando a fama e o prestígio que adquiriu com este primeiro filme.

"O Alucinado" (1953)

Com: Arturo de Córdova, Delia Garcés, Aurora Walker, Carlos Martínez Baena

Francisco, homem religioso e respeitado em sua comunidade, casa-se com a namorada de um amigo e transforma o casamento em um pesadelo para ela. Ele se torna um homem possessivo e obcecado. Um dos exemplos mais antigos de suspenses psicológicos.

"Nazarín" (1959)

Com: Francisco Rabal, Marga López, Rita Macedo, Ofélia Guilmain, Noé Murayama

Padre pobre e idealista abriga prostituta criminosa e acaba tendo que partir do vilarejo onde vive. Durante sua peregrinação, em que é acompanhado pela moça e sua irmã, suas atitudes cristãs acabam provocando efeitos contrários aos desejados. Obra polêmica, só chegou ao Brasil 22 anos depois.


"O Anjo Exterminador" (1962)


Com: Silvia Pinal, Enrique Rambal, Claudio Brook, José Baviera, Augusto Benedico, Antonio Bravo

Depois de uma festa, os convidados simplesmente não conseguem deixar o local, sem que haja uma explicação racional para isso. Conforme o tempo passa, as máscaras dos antes bem relacionados começam a cair e revelar suas verdadeiras e mais profundas facetas. É um retrato irônico que usa elementos do Surrealismo para mostrar a inércia da alta sociedade.

Buñuel filmava da forma mais econômica que conseguia. Gravava em algumas semanas, nunca mudando o que estava no roteiro, de forma a acelerar o processo de edição. Já a relação de do diretor com os atores não era a das mais convencionais. Ele raramente dava instruções detalhadas e não respondia a perguntas, já que queria a interpretação mais genuína possível.


Em 1960, o ditador Francisco Franco ordenou que seu Ministério da Cultura trouxesse de volta o cineasta espanhol de mais sucesso no exterior, Buñuel, para dirigir um filme de sua escolha. Ele aceitou, e começou a produção de "Viridiana", com o apoio do milionário Gustavo Alatriste e a atriz Silvia Pinal como protagonista. Só que a abordagem anticatólica de Buñuel desagradou o ditador, que ordenou que todas as cópias do filme fossem queimadas. Quando isso aconteceu, o diretor já havia deixado a Espanha há algum tempo.


Só que uma cópia de "Viridiana" foi contrabandeada até a França, onde acabou ganhando a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mesmo com essa atenção do mundo, o filme permaneceu proibido na Espanha. O Vaticano também emitiu uma carta de desgosto em relação ao filme, citando suas raízes anticatólicas.

Com o término da chamada Era de Ouro do cinema mexicano, Buñuel seguiu para a França. Foi durante esta época que o diretor fez alguns de seus filmes mais conhecidos.

"Diário de uma Camareira" (1964)

Com: Jeanne Moreau, Georges Géret, Daniel Ivernel, Françoise Lugagne
Após o estupro e assassinato de uma garotinha, camareira de uma família excêntrica muda de emprego e vai trabalhar com o homem que acredita ser o autor do crime.

"A Bela da Tarde" (1967)


Com: Catherine Deneuve, Jean Soreal, Michel Piccoli, Geneviève Page


Séverine é uma jovem e bela mulher casada com um médico. Ela ama o marido, mas ele não a satisfaz sexualmente. Então, entrega-se aos seus desejos e acaba por se tornar uma prostituta, mantendo uma vida dupla.

"O Discreto Charme da Burguesia" (1972)

Com: Fernando Rey, Julien Bertheau, Paul Frankeur, Milena Vukoric, Delphine Seyrig

Seis burgueses se reúnem para um jantar, mas, por conta de diversos acontecimentos estranhos, são impedidos.


"Este Obscuro Objeto do Desejo" (1977)


Com: Fernando Rey, Carole Bouquet, Ángela Molina, Julien Bertheau, Andre Weber

A história da paixão de um homem, Mathieu, pela jovem Conchita, uma virgem de 18 anos que o atormenta em um jogo de gato e rato. Detalhe: a moça é interpretada por duas atrizes diferentes, uma para o lado angelical, e outra para o lado diabólico.

Após o trabalho em "Este Obscuro Objeto do Desejo", Buñuel anunciou que estava encerrando sua carreira. Escreveu uma autobiografia, lançada em 1982, onde conta detalhes sobre sua vida, carreira, sonhos e encontros com personalidades como Pablo Picasso e Charles Chaplin.

Luis Buñuel morreu em 1983, na Cidade do México.

Curiosidades
  • Em diversas entrevistas, Luis Buñuel descrevia sua cidade natal, Calanda, como um lugar onde "a Idade Média durou até a Primeira Guerra Mundial".

  • O filme "Little Ashes", sem tradução no Brasil, retrata a vida e os amores dos jovens Salvador Dalí, Buñuel e García Lorca na república onde moravam. Buñuel é interpretado por Matthew McNulty, e Dalí, por Robert Pattinson ("Crepúsculo"). O filme é dirigido por Paul Morrison.

  • Ainda não se sabe ao certo o motivo da briga entre Dalí e Buñuel. Em sua autobiografia, Dalí sugere que o conflito tenha se originado por conta das posições políticas de Buñuel, incompatíveis com as de Dalí. O diretor era comunista e ateu.

  • Existe uma escultura da cabeça de Buñuel em Calanda, em um lugar conhecido como Centro Buñuel.

  • Alfred Hitchcock considerava Buñuel o maior cineasta de seu tempo.

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